Tensão entre Secretas e Governo

Tensão entre Secretas e GovernoO gabinete do primeiro-ministro não deu conhecimento da viagem à República Centro-Africana (RCA) aos serviços de informações, realizada há uma semana. A atitude de António Costa causou profundo desagrado nas secretas a nível dos seus mais altos dirigentes e constituiu mais um episódio de um clima de tensão que tem caracterizado a relação entre o chefe do governo e os espiões.

Fonte do governo desvaloriza o caso, sublinhando que os militares e a segurança que cuida da proteção do primeiro-ministro sabiam da viagem. António Costa visitou o contingente de 160 militares portugueses integrados em missões das Nações Unidas e da União Europeia naquele país .

Foi acompanhado pelo ministro da Defesa, José Azeredo Lopes, e pelo chefe do Estado-Maior-General das Forças Armadas, Artur Pina Monteiro. Levou para um teatro de operações reconhecidamente de “risco elevado” governantes, assessores, militares e jornalistas, mas ignorou as secretas.

Ao que o DN apurou, apenas a segurança pessoal do primeiro-ministro, da PSP, e os serviços destas estruturas participaram na preparação da deslocação. As Forças Armadas têm as suas secretas, o Centro de Informações e Segurança Militares (CISMIL), mas trata apenas de questões táticas das operações.
É ao Serviço de Informações Estratégicas de Defesa (SIED) que compete a recolha de informações no exterior, através das suas antenas, ou com o apoio das suas congéneres que tenham espiões nos locais, para fazer a avaliação da ameaça. Ora, segundo terá confirmado o diretor do SIED na semana passada aos deputados da Comissão de Defesa da Assembleia da República, o serviço não foi informado desta viagem. O desagrado pelo facto de os serviços terem sido colocados à margem da visita de Costa terá sido também manifestado pelo próprio secretário-geral do Serviço de Informações da República Portuguesa (SIRP), Júlio Pereira, na reunião do Conselho Superior de Informações da passada quinta-feira.

Desde que este governo tomou posse que tem vindo a aumentar a tensão entre as secretas e António Costa, que dele dependem diretamente. O primeiro sinal sentido no Forte da Ameixoeira (quartel-general do SIED e do SIS) de que havia uma atitude diferente deste primeiro-ministro face aos serviços de informações foi o facto de não ter sido chamado para o seu gabinete nenhum oficial de ligação ou assessor das secretas. Passos Coelho fazia essa ligação com a atual assessora do Presidente da República para a Segurança Nacional. Era frequente quer Passos quer Paulo Portas consultarem os serviços sobre várias matérias, o que não acontece com António Costa.

O segundo sinal é o facto de o governo PS ter deixado na gaveta uma nova lei orgânica para os serviços de informações proposta pelo governo PSD-CDS e aprovada no Parlamento por estes partidos e pelos socialistas. O Tribunal Constitucional chumbou os artigos que permitiam aos serviços o acesso aos metadados (intervenientes nas chamadas, duração e localização) das comunicações, mas os espiões tinham expectativa de que expurgadas as inconstitucionalidades o diploma pudesse ser aprovado, uma vez que resolvia um vasto conjunto de questões relacionadas com a carreira, há anos reivindicadas.

Os recentes casos judiciais com os serviços – quer o julgamento do ex-diretor do SIED e de outros dirigentes quer a detenção de um espião do SIS por suspeita de ter vendido informações secretas aos russos – podem ter, segundo fontes ouvidas pelo DN, contribuído para o impasse de António Costa. Esta última investigação deixou em aberto a possível cumplicidade interna na prática dos crimes praticados por Carvalhão Gil.

Notícia publicada por Lusa, dia 12 de fevereiro de 2017.