Portugal tem reforçado as capacidades. No terrorismo não existe risco zero

Na sua primeira grande entrevista, no aniversário do ataque às Torres Gémeas, a procuradora-geral adjunta diz quais são as suas prioridades. Portugal, diz, está sob “risco moderado” de atentados terroristas. Hoje quem tem poder não é quem tem informação. É quem a sabe partilhar.

Qual é neste momento a situação de Portugal em relação ao terrorismo?

A Europa vive momentos de elevada exigência em matéria de segurança. O terrorismo constitui uma das mais sérias ameaças à subsistência do espaço europeu e nele tem encontrado oportunidade para manifestações extremistas, radicais e de agressões violentas. Portugal encontra-se numa situação de ameaça moderada. Mas tal não significa que não reforce permanentemente as suas capacidades de combate ao fenómeno, temos de ter em vista duas ordens de razão: as suas responsabilidades enquanto Estado membro e a segurança em termos internos.

Estamos no dia 11 de setembro, data que marca uma mudança de paradigma, em todo o mundo, no que diz respeito à segurança mundial. Portugal só aprovou a Estratégia Nacional de Combate ao Terrorismo (ENCT) no ano passado. Fomos os últimos da UE.  A nossa reduzida ameaça justifica que não nos preparemos e aprendamos com o que tem acontecido no mundo para minimizar o impacto de um eventual atentado no nosso país?

De modo nenhum. Portugal tem vindo a reforçar as suas capacidades.

Todos nós temos consciência de que em matéria de terrorismo não existe risco zero. Hoje estamos perante uma ameaça difusa e diferenciada da ameaça tradicional, que exige um esforço permanente, com uma abordagem integrada, entre todas as entidades direta ou indiretamente envolvidas. Tal implica que, necessariamente, de forma racional, se potenciem todos os instrumentos disponíveis para o combate a este fenómeno.

A aprovação da ENCT vai nesse sentido. Assume o compromisso de combater o terrorismo em todas as suas manifestações e constitui-se como instrumento de mobilização, de coordenação e de cooperação entre os todos os responsáveis.

É preciso que se compreenda que todo este trabalho visa que nunca se chegue ao ponto de só se atuar depois de um atentado, numa fase em que a investigação criminal se limita a recolher a prova. A eficácia passa necessariamente pela deteção precoce e isso implica uma ampla fase de prevenção.

Pode dar-nos algum exemplo daquilo que já foi feito e está previsto fazer no âmbito de cada um dos cinco pilares que constituem a nossa ENCT – detetar, prevenir, proteger, perseguir e responder?

Cada pilar define um objetivo estratégico. A prossecução destes objetivos estratégicos implica um conjunto alargado de medidas e de linhas de ação, concretizado através de um trabalho continuado por parte de todas as entidades. Uma boa parte destas medidas e ações materializa-se em promover, melhorar, reforçar mecanismos de intervenção já existentes. A Unidade de Coordenação Antiterrorismo (UCAT) irá desempenhar um papel fundamental ao garantir o desenvolvimento e a coordenação das medidas de responsabilidade transversal, que implicam o envolvimento de vários setores, da Saúde, à Educação ou à Segurança Social, por exemplo.

Já foi identificado algum caso de radicalização jihadista em território nacional? Que entidades estão envolvidas nos processos de desradicalização?

É uma matéria reservada e sensível. A prevenção da radicalização e do recrutamento continua naturalmente a manter-se como prioridade.

De que forma é que o reforço da UCAT vem alterar o equilíbrio e o trabalho entre as forças e os serviços de segurança?

As alterações introduzidas vêm claramente reforçar a articulação, a cooperação e a coordenação entre as forças e os serviços de segurança.

Até aqui, a UCAT era um órgão que se reunia uma vez por semana para que os seus membros – representantes das polícias, dos serviços de informações e do secretário-geral do SSI – trocassem informação entre si. A partir de agora, além destas reuniões semanais, vamos ter uma equipa permanente, constituída por representantes de cada uma das forças (GNR, PSR PJ, SEE SIED, SIS e PM) que vão acompanhar e coordenar a execução dos planos setoriais que estão previstos na ENCT…

Mas vão ser polícias a fazer a ligação com outros setores? Com que autoridade é que, por exemplo, um major da GNR ou um comissário da PSP vai dizer aos médicos, aos professores o que são os tais sinais precoces a que têm de estar atentos e informar a polícia? Há abertura na nossa sociedade para isso?

Permita-me só terminar em relação à UCAT. Sem prejuízo das reuniões de cariz operativo, aquelas mesmas entidades que integram a UCAT passarão a reunir-se de três em três meses, com objetivos de estratégia, designadamente de acompanhar e avaliar a execução da ENCT e a atividade da UCAT, bem como emitir orientações no âmbito das suas competências e apreciar outras matérias que lhe sejam submetidas. Saliento ainda a circunstância de agora estar prevista a participação, nestas reuniões, de um representante do procurador-geral da República, assegurando-se a partilha de toda a informação útil e, de forma imediata, a comunicação de eventual crime de terrorismo, cuja investigação será, sob a sua direção funcional, assumida sempre pela Polícia Judiciária (PJ).

Assegurada igualmente está a realização de reuniões da UCAT, mais alargadas e de composição variável, fundamentalmente face às responsabilidades que a implementação da ENCT implica. Assim, consagra-se a possibilidade de, a convite do secretáriogeral, sempre que se julgue necessário e adequado, consoante as matérias a tratar, incluir a presença das restantes entidades que integram o Conselho Superior de Segurança Interna ou seus representantes: do chefe de Estado-Major-General das Forças Armadas, da Autoridade Marítima Nacional, da Autoridade Aeronáutica Nacional, da Autoridade Nacional de Aviação Civil, do presidente da Autoridade Nacional de Proteção Civil, do diretor-geral dos Serviços Prisionais, do diretorgeral da Autoridade Tributária e Aduaneira e do coordenador do Centro Nacional de Cibersegurança.

Quanto à questão da transversalidade, é evidente que numa primeira fase essa articulação será feita a alto nível, através dos membros do governo e dos dirigentes das estruturas envolvidas. O trabalho da equipa da UCAT é de coordenação dos planos. Não identifico qualquer constrangimento nesta articulação.

Identifico total disponibilidade. Todos sabem a importância para a segurança do país e dos cidadãos que esta cooperação significa e que é um trabalho de todos.

Quer dar-me um exemplo concreto de uma ação de prevenção de radicalização?

Tem havido formação de quadros policiais, em coordenação com entidades internacionais que já trabalham nesta matéria há vários anos.

Estes quadros formados, disseminam depois esse conhecimento dos respetivos dispositivos que estão no terreno e que têm contacto direto com a população.

Justificava-se este reforço – sobretudo pôr esta unidade em funcionamento permanente -tendo em conta o reduzido nível de ameaça?

Os contornos atípicos e de evolução imponderável e inconstante do terrorismo exigem forte investimento na redução do risco. Existe uma necessidade constante de identificar precocemente as ameaças, quaisquer que elas sejam, o que significam, no concreto, proceder a efetiva recolha, troca e partilha de informação, criando-se condições para melhor se poder identificar, detetar, intervir, para fazer cessar qualquer atividade de natureza terrorista.

Este nível de intervenção implica trabalho desenvolvido em continuidade, integrado com a dinamização e coordenação dos planos de execução da ENCT e a articulação entre os diversos pontos de contacto em matéria de terrorismo, partilhando-se o conhecimento que daí advém. Houve um tempo em que quem tinha informação era quem tinha poder. Hoje temos um novo paradigma. Quem tem realmente poder é quem sabe partilhar essa informação.

As consequências para alguém, alguma entidade, não partilhar uma informação, que depois se vem a saber que podia ter evitado um atentado, são graves de mais.

Quando participa nas reuniões na União Europeia (UE) sobre o terrorismo, como sente que Portugal é visto, tendo em conta que nunca fomos alvo de nenhum atentado?

Em sede de UE não existe esse sentimento de diferenciação. Quando ocorre um incidente desta natureza, o que está em causa é a segurança da Europa como um todo. Por isso se impõe que a resposta seja integrada, assente na cooperação entre todas as autoridades policiais dos Estados membros e as agências da UE. Não nos podemos esquecer de que, hoje, a segurança interna de um Estado é a segurança interna de todos os demais.

Temos exemplos para dar na forma como temos lidado com esta questão do terrorismo? Este tem sido quase um tema tabu sobre o qual as autoridades entendidas como o SIS ou a PI falam muito pouco ou quase nada…

Tendo em consideração a sensibilidade desta matéria e as implícitas reservas, é certo que a divulgação de qualquer tipo de informação deva ser limitada e proporcional ao necessário, por forma a garantir, por um lado, eficácia na intervenção e, por outro, impedir alarme que não se justifique.

Não acha que há falta de coordenação na comunicação sobre este assunto e que isso também agrava o alarme público? Ainda recentemente o diretor do SIS confirmou ao DN que tinha sido identificada uma ameaça do Daesh contra Portugal e no dia a seguir houve uma ministra que disse não haver qualquer ameaça…

Não vou alimentar quaisquer teses de contradições. Cada entidade sabe exatamente qual é o seu papel.

Mas na ENCT está previsto um plano de política de comunicação com os media. Tudo tem de ser proporcional e adequado.

Está há mais de dois anos neste cargo e terá tido oportunidade para conhecer bem de perto a realidade do nosso SSL Se lhe pedissem uma avaliação swot, o que destacaria como pontos fracos e fortes e principais ameaças?

Digo, muito objetivamente, que o atual SSI apresenta muito mais virtudes do que fragilidades, apesar de ainda não ter percorrido todo o espaço de crescimento que a lei consigna e, em consequência, não ter atingido o nível ideal de maturidade. Como pontos fortes destacaria as responsabilidades e as capacidades que resultam da ação dos órgãos que o constituem: o Conselho Superior, o secretário-geral e o gabinete coordenador.

De entre estas, porque estão diretamente relacionados com a ação do secretário-geral, destaco os instrumentos de coordenação e de direção. Não identifico pontos fracos suficientemente relevantes para estar aqui a ampliá-los.

O PCP entende que este cargo é inútil e já fez várias propostas para a sua extinção, argumentando que esta coordenação não trouxe vantagens. O que perderia o país se acabasse este gabinete?

Estou absolutamente convencida da importância e da necessidade de uma estrutura desta natureza.

Esperava a reação crítica da parte da Polícia Judiciária e Ministério Público (sindicatos) em relação à criação do Ponto Único de Contacto Nacional (PUCN), por causa da transferência para este gabinete da Europol e da Interpol, que estão agora na PJ?

O PUCN reflete uma imposição de boas práticas europeias em matéria de cooperação policial internacional. É uma questão central para a articulação com o exterior. Têm acesso à informação, de e para o exterior, os mesmos órgãos de policial criminal a quem hoje se destina.

A mais-valia resulta da inserção destes diferentes canais de comunicação na mesma estrutura de gestão e no mesmo espaço físico, garantindo a escolha correta e coerente do canal de cooperação, a qualidade dos pedidos e das respostas. Daqui resulta inegável celeridade e fiabilidade na troca de informação, com racionalização e otimização de meios e recursos.

E quando está em causa um mandado de detenção internacional sobre um crime de corrupção que envolve um político? O SGSSI é um cargo de nomeação política que responde ao primeiro-ministro. Fica sempre a dúvida em relação à utilização dessas informações…

Essas informações estão sujeitas às regras do segredo de justiça. E devo dizer que, em relação ao exemplo que deu, os mandados de detenção são difundidos através do gabinete SIRENE, que já está no SSI há muitos anos. Nunca houve nenhuma fuga que pusesse em causa a proteção das informações.

A Plataforma Integrada de Informação Criminal (PIIC) -conhecido como o google das policias – foi criada na Lei de Segurança Interna de 2008 e ainda não está a funcionar em pleno. Não é um exemplo paradigmático da resistência das polícias em partilhar informação?

Antes de mais, não se trata nem de perto nem de longe de um google das polícias. É uma plataforma sujeita a regras e limitações de acesso.

E não é verdade que não esteja a funcionar. Neste momento, por exemplo, um órgão de polícia criminal (OPC) que inicie uma investigação e queira saber o que as outras polícias têm sobre um suspeito, um veículo, uma arma envolvida, já o pode fazer, até para fins de coordenação. Neste momento a PIIC já permite, aos OPC, mas também aos juizes de instrução e ao MP, a consulta de um volume superior a 26 milhões de registos, acessíveis por interoperabilidade entre estes sistemas, possibilitando ainda o acesso a bases de dados complementares, de natureza administrativa ou policial.

Em breve, a PIIC vai entrar numa fase de expansão, com agregação de novas bases de dados, com financiamento comunitário.

Entrevista publicada no Diário de Notícias, dia 11 de setembro de 2016.

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